quarta-feira, 3 de julho de 2013

O Junho que vimos e vivemos - A verdeira vitória dos movimentos sociais





Diante do tamanho, da amplitude e da abrangência que esse levante popular que ocorreu (e está ocorrendo no Brasil) deu a pautas antes somente de interesse de uma vanguarda combativa (que incluía os movimentos anarquistas, coletivos sociais, partidos políticos de esquerda, autonomistas, etc.), era de se esperar que o que antes era reservado a uma pequena parcela – muitas vezes tristemente invisível – da sociedade transcendesse e tomasse conta da população como um todo.

As massas (no sentido geral mesmo, das classes médias à população mais pobre) se viram obrigadas a conhecer uma realidade que antes ficava restrita, muito restrita.
E foi com isso que sonhamos a vida inteira, foi com esse levante que os lutadores de 1917, de 1968, da ditadura, das intentonas, das insurreições, dos coletivos, dos partidos, dos grupos... Sempre sonharam. Foi por esse Junho de 2013 que a gente esperou durante tanto tempo.
Ele aconteceu.

É, houve cooptação da direita, houve muito discurso golpista, houve síndromes de liderança, houve quem apoiasse a polícia, houve imprensa comprada manipuladora, houve infiltração, houve uma série de coisas com as quais não contávamos e das quais não gostamos, mas isso não tira o mérito de todas as cidades que baixaram a tarifa, isso não tira o mérito dos trabalhadores e setores societários específicos que conseguiram muitas vitórias – e certamente ainda conseguirão muitas outras – a partir dessa luta.
Como tudo que é novo, esse levante, essa revolta “popular” que tomou as ruas nos últimos dias surpreendeu, amedrontou. Se antes éramos 200, todos amigos, de braços dados protestando pelos centros das cidades, acordamos na dianteira de 500, 600, 700 mil pessoas.

E isso tudo trouxe uma vitória que passou despercebida por muitas pessoas, uma vitória que foi muito além dos centavos reduzidos nos preços das tarifas, uma vitória que transcendeu as outras tantas conquistas: uma vitória de consciência.
O junho que pudemos observar pela janela – nos períodos de entre-guerra, quando nossas janelas não estavam circundadas pela névoa cinzenta de gás lacrimogêneo – foi um mês lindo e inédito, um mês bem mais importante e bem mais efetivo que o Setembro de 1992 exatamente por essa série de vitórias, em âmbitos sem fronteiras, que foram conseguidas no Brasil, vitórias de consciência.
Pela primeira vez, vimos pessoas que nunca se interessaram conversando sobre política, pensando sobre os rumos no país; pela primeira vez, vimos gente que não prestou atenção no que a televisão disse e, mesmo contrariados pela tela em que sempre confiaram, ocuparam as ruas junto de quem “nunca dormiu”; pela primeira vez vimos um movimento criminalizado ganhar forças a partir de um despertar não tão espontâneo e não tão orgânico, sim, mas ainda assim um despertar importantíssimo.

Como nunca, abrimos as janelas e vimos, muito longe das vanguardas, pessoas que nunca sequer apoiaram manifestações, portando agora cartazes e caminhando lado a lado com lutadores de uma vida inteira; vimos três milhões de pessoas juntas, ombro a ombro, ao mesmo tempo no Brasil todo, enfrentando um poder enorme e antes incontestável, do Estado-Capital.














Abrimos as janelas e os ouvidos e pudemos escutar, também pela primeira vez, as classes médias odiando e criticando uma polícia que, desde que o Brasil é Brasil, mata os mais pobres com bala de verdade, não de borracha; a dor das famílias pobres que perdem cotidianamente seus filhos para as balas da polícia foi sentida nas avenidas dos centros, um país que sempre viu policial como herói agora percebeu que ele é vilão, percebeu que não existem bons ou maus policiais, existe uma corporação militar, vinda de uma ditadura militar, uma corporação que precisa ter fim, uma corporação que atacou, perseguiu e matou a classe média que protestava como ataca, persegue e mata a classe pobre todos os dias nas periferias do país.

Nunca antes pudemos ver e ouvir essas coisas, isso tudo surpreendeu até quem passou a vida lendo Marx, Bakunin, Lênin, Proudhon e afins, isso pegou de surpresa quem sempre foi pra rua e sempre quis que os outros também fossem.

Por trás de todo grito (idiota) contra a corrupção, estava a descrença em um sistema político falho que não mais serve à população; por trás de toda bandeira do Brasil estava um nacionalismo débil que foi, ao longo de anos, colocado como verdadeiro e legítimo pela mesma elite que hoje se esconde atrás de cordões de isolamento, por trás da elite que se enfia em estádios ultra-protegidos para esquecer que o Brasil está desabando.


As 3 milhões de pessoas que ocuparam o Brasil não leram os clássicos analistas e cientistas sociais, nunca tiveram contato com a luta de classes, nunca analisaram os embates e alianças estratégicas entre anarquistas e socialistas, mas são essas pessoas – ainda despolitizadas – que fazem a revolução, que englobam o processo de emancipação.


Pudemos ver o BOPE, tão honesto e tão eficaz, segundo seus filmes, sendo vaiado por uma multidão, vimos a linha de frente combativa – os horríveis vândalos de rostos cobertos – dedicar suor e sangue pelos de trás, enfrentando sob aplausos a cavalaria, vimos a Tropa de Choque ser atacada com tijolos e garrafas vindas dos prédios residenciais, vindos de pessoas que, no conforto do seu lar, finalmente enxergaram a verdadeira face da polícia militar, vimos uma polícia virar alvo de piada por prender quem portava vinagre, a PM de São Paulo ser mandada longe por um coro uníssono em plena Avenida Paulista.



Com orgulho e êxtase, acompanhamos a periferia descer, o morro vir pro asfalto, as classes pobres e trabalhadoras, os maiores de todos os oprimidos, portarem bandeiras e faixas contra um Estado que sempre os massacrou.

E a tudo isso nós assistimos eufóricos. Essa foi a grande vitória, uma vitória moral, uma vitória de contestação, uma vitória que se deu internamente. Se esses eventos mexeram com o país, foi muito porque eles mexeram com as pessoas, eles mostraram para a classe média, involuntariamente, coisas que pouca gente sabia.

Mostraram que a imprensa burguesa, os canais que a classe média assistia há tanto tempo, mentem descaradamente, manipulam, mascaram, omitem, fingem, contorcem... A gente acompanhou uma série de pessoas que antes acreditavam no William Bonner, enfim vendo que a Internet, feita por nós e para nós, costuma falar e mostrar a verdade com mais frequência; esses movimentos mostraram a força da imprensa independente.
Enfim, podemos, sem sombra de dúvida, apontar que houve, sim, diversas coisas pelas quais não esperávamos, coisas que nos pegaram de surpresa; assim como é evidente que existe muita consciência a ser despertada ainda.

Mas, acima de tudo isso (que é intrínseco a movimentos grandes), vimos que não só os protestos viraram de massa, mas massificaram-se também a rejeição à democracia representativa, a desconfiança com relação aos órgãos públicos, o reconhecimento do caráter fascista da polícia, a legitimação do discurso de ódio contra a televisão comercial.

O que antes poucas pessoas diziam e eram taxadas de loucas, rebeldes e desajustadas, virou pauta nos jantares em família do país inteiro, se transformou em conversa cotidiana, a política virou moda, o ativismo não ficou mais tão escondido.
E essa vitória, uma revolução cultural, um levante de consciência, trará os melhores frutos futuros, é a mais importante das conquistas.

Que as gerações futuras não mais sustentem oligopólios da comunicação burguesa, que as crianças de hoje sejam adolescentes de luta, que não mais tenhamos de escutar que manifestantes são “vândalos baderneiros desocupados”, que as vidraças de um banco explorador multinacional não importem mais do que um massacre promovido pelo estado na favela, que ninguém seja criminalizado por ser pobre, que ninguém tenha que derramar sangue, erguer barricadas, incendiar ônibus e enfrentar muitas bombas para se defender ou ser ouvido.


Que o futuro seja melhor a partir de cada indivíduo, que outro mundo seja construído a partir dos questionamentos que o movimento de hoje colocou na sociedade: eis, aqui, nossa verdadeira vitória.















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