O
Grêmio entrava em campo quando o som da torcida e o tremer do chão sob os meus
pés se acentuaram. As cadeiras azuis a frente e atrás de mim reduziam
drasticamente o poder da torcida. Como se já não fosse suficiente sermos
punidos pelo erro grotesco de uma empreiteira milionária, não havia ali nenhum
bumbo, nenhuma faixa, nenhuma bandeira. Cantávamos pelo Grêmio somente com a
vontade de apoiar e talvez por isso tudo estivesse maior.
Mal acompanhava o andar dos
jogadores até o centro do gramado quando senti um emaranhado de pessoas se
debruçando e se esquivando. Fugiam de que? De socos e empurrões deferidos pelos
seguranças da OAS, dona da Arena, aquele estádio belíssimo onde não se pode
cantar.
Um dos seguranças berrava e apontava
o dedo enquanto o outro discava no celular.
Não demorou muito pra que a corja
dos defensores dos “bons costumes” de farda e capacete laranja literalmente
invadisse a área da Geral com escudos, armas, sangue nos olhos, arrogância e
uma vontade imensa de agredir.
Dois torcedores foram presos, outros
tantos foram agredidos e o espetáculo não parou. A festa da torcida e o apoio
ao time devem ser maiores do que a vontade nefasta da Brigada Militar a serviço
do poder privado.
Acompanhei de perto aquela
injustificável violência sem sentido provinda dos homens pagos para manter a “ordem”
dentro de um estádio feito para viver em silêncio.
Os homens do capacete foram embora
dali. Mas não era o fim.
O cenário pode ser qualquer jogo na Arena desde a queda
do alambrado.
As invasões e a violência policiais empregada nos últimos
meses contra a torcida do Grêmio exemplificam uma relação muito mais ampla: o
ódio à resistência.
Todas as partidas são protagonizadas pelas truculentas
ações da tropa de choque do Batalhão de Operações Especiais e todas têm por
início uma desculpa: um sinalizador, uma faixa, uma música, um pulo.
A arena traz em si um ambiente frio, onde o espetáculo
foi calado por interesses nefastos em manter o futebol como um teatro.
Se já não era suficiente tirar os torcedores do seu
espaço, roubarem-lhes todos os aparatos para transformar o estádio em um local
de efervescência, denegrir a imagem da torcida e inventar acusações
difamatórias, os responsáveis pela “ordem” invadem aquele antro estreito – o que
restou da alegria monumental – para agredir quem tenta torcer.
Não foi uma exceção, é a regra em todas as partidas: a
Brigada Militar cerceia a liberdade do torcedor e o agride sem nenhuma
justificativa.
Esse afronto ao direito de torcer não só é arbitrário por
parte dessa instituição costumeiramente agressiva, mas também é cabível de
averiguação judicial, as repetidas investidas contra torcedores nas
arquibancadas, nos corredores e até no entorno do estádio não são fatos
coincidentes e não podem ser tratados como mero acaso.
O futebol moderno, vendido a parcerias esdrúxulas e
estádios de empresas privadas nos encaminhou para o fim das torcidas ativas: o
telespectador médio, rico, que assiste ao jogo em sua confortável poltrona
dentro de um estádio silencioso não virou só sonho da imprensa, dos governantes
e das empresas, virou modelo a ser seguido com sanção de pena física para quem
não cumprir.
As ações do BOE são mais uma tentativa de esgoelar o
torcedor participativo não-telespectador, são parte de um plano bem maior, bem
mais antigo e bem mais vitorioso.
A polícia age, hoje, na arena, como os olhos, os ouvidos
e principalmente os braços da OAS, garantindo ao torcedor médio, da burguesia
branca, o direito de somente aplaudir, sem ter de ouvir gritos de apoio; uma
polícia a total serviço de segurança privada, fazendo o papel de guarda-costas
dos seguranças da empresa.
Por trás dos panos, a mídia de massa vira “advogada do diabo”
e a repercussão do que acontece na Arena vira notícia em âmbito nacional.
Regionalmente, uma empresa historicamente vendida aos interesses financeiros
transnacionais trabalha tentando botar o torcedor gremista contra ele mesmo,
fazendo da torcida ativa um agregado de “adolescentes baderneiros que só querem
fazer bagunça”, um vício de linguagem de quem está acostumado a odiar e fazer
campanha contra tudo que agrida seus “parceiros” econômicos.
Tudo isso, somado a uma exagerada campanha da CONMEBOL (se
compararmos com o caso da torcida do Cortinthians e sua respectiva punição, por
exemplo), resulta em uma caça ao torcedor inconformado que ainda enxerga na
Arena um estádio inimigo, a casa do vizinho; somos tratados como inimigos
dentro do próprio estádio, pagamos ingressos de valores astronômicos para enfrentar a fúria da tropa de choque,
jogo após jogo, sem nenhuma notícia na mídia ou pronunciamento pelo poder
público.
Falta um estádio do Grêmio para o Grêmio e seus
torcedores, falta responsabilidade e menos interesse lucrativo por parte da
empresa que fez o estádio, falta comprometimento da diretoria gremista em
assegurar que o Grêmio não se transforme em um clube elitista de futebol
europeu, de modo que não seja mais proibido torcer dentro do próprio estádio e flata, por fim e mais importante, comprometimento do torcedor gremista em apoiar seu próprio time, não resignar-se diante das imposições e não se transformar em um mero telespectador.
ÓDIO ETERNO AO FUTEBOL MODERNO
O GRÊMIO É DA TORCIDA
POR UM FUTEBOL DO POVO
TORCER NÃO É CRIME!
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